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O Migrante de Direita

G.S.



Nota de Edição

Este texto foi originalmente publicado na série Slug, editada por Tom Melick e Elisa Taber, em 2021, às 16:30:12



O migrante de direita cresceu pobre e a falar uma língua diferente. Lá na terra, foi gozado pelo seu sotaque até aos últimos anos da adolescência. O migrante de direita trabalhou arduamente. Trabalhou arduamente por pouco dinheiro. Era de tal forma competente, que homens estrangeiros o meteram em aviões para ir trabalhar em terras estrangeiras. Múltiplas vezes. O migrante de direita foi de tal forma explorado que conseguiu comprar uma boa casa com jardim, dois carros e um edifício com apartamentos que arrendava de preferência a cidadãos brancos. O migrante de direita trabalhou para que a minha vida fosse diferente da dele. Ofereceu-me aulas de piano, ténis da Vans e enciclopédias em CD-ROM para que eu pudesse aprender sobre o mundo. Mas ele desaprova a minha existência expatriada, pois não entende o prazer de ir, apenas o sacrifício. 

O migrante de direita diz que não odeia migrantes, mas repete com a multidão que eles roubam os nossos empregos. Adora os seus netos negros, mas partilha publicações racistas nas redes sociais que eu em segredo denuncio. Recentemente, descobriu os tutoriais online. Vídeos de YouTube feitos por pessoas com sotaques e cores de pele aos quais não arrendaria os seus apartamentos. Mas ele aprecia os seus conhecimentos. Diz que estas pessoas são diferentes. Que não são preguiçosas. Ensinaram-no a construir painéis solares, um sistema de aquecimento e uma bicicleta elétrica. Do zero. Estou orgulhosa dele, do migrante de direita, mas também me causa profundo constrangimento. Às vezes só consigo relacionar-me com ele como objeto de etnografia. Os seus olhos iluminam-se de amor e admiração quando eu entro na sala. Por isso, evito falar de política. 


Margem Sul, Verão 2021